terça-feira, 29 de novembro de 2011

Gone

Tem dias em que a chuva insiste em cair, o frio em chegar e a vida ganha um estranho tom acinzentado, com um certo gosto metálico, que trava a boca e aperta a garganta.

 Aí, sobra o que? Um cigarro, uma lembrança qualquer de um momento feliz e a esperança de que uma hora ou outra, de um jeito ou de outro, mais cedo ou mais tarde, o sol volte a brilhar.

Como diz a canção, "... Turn to stone, lose my faith, I'll be gone before it happens"...



Why should I feel sad, for what I never had?

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

E o mundo vai ficando cada vez mais chato...

Gente, mesmo com certo atraso, choquei com a notícia que um dos ícones do savoir vivre L´Oreal, Andrea True Connection, partiu dessa para melhor no início de novembro.

Trilha sonora dos meus primeiros passinhos ensaiados nas domingueiras do Ezequiel Ramos, Andrea foi - para quem não sabe - uma espécie de musa-maldita dos anos 70.

Atriz pornô barra pesada (co-estrelou dois clássicos do gênero, Meatballs, de 1972 e o inesquecível Garganta Profunda, de 1974), logo desencanou da sétima arte e se jogou de cabeça na música.

 Em 1976 mudaria o rumo da nascente disco music com o lançamento do mega-sucesso More, More, More. Escrita e produzida por Gregg Diamond (outra fera da época), com este hit planetário o balançar dos ombrinhos nunca mais foi o mesmo. E que atire a primeira meia de lurex quem nunca se sentiu um John Travolta ou uma Sônia Braga na pista ao som de Andrea True Connection.

De onde você estiver, minha deusa trash, ouça a última súplica em vão de uma legião de fãs, órfãos inconsoláveis do seu balanço irresistível: "More, more, more... Honey I like it!"...

Descansa em paz. É merecidíssimo.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

É pau, é pedra...

Me chamou a atenção a carga de informação hedonista encontrada nos principais museus europeus com coleções ditas clássicas: gregas, romanas e do período renascentista e, mais tardiamente, do art noveau.

São critérios de beleza, fundamentalmente masculinos, explícitos em corpos cuja perfeição me parece sobre-humana: retratos de homens e deuses, jovens, maduros, com corpos longilíneos, com músculos marcados e proporções irretocáveis.

Sinceramente, a coisa chega a ser bandeirosa para os artistas da época, como Cellini, Canova e Michelângelo, entre muitos outros. Afinal, tanta perfeição há de vir de muita admiração, pois não?

Mas mais intrigante ainda, nesse contexto, me pareceu o tamanho ridículo dos paus retratados nas esculturas. Se os do período renascentista e art noveau poderiam ser reputados ao forte controle moral da Igreja, a grande mecenas da época, sobre o trabalho dos artistas, então o que explicaria os Hércules e Adonis gregos e romanos com pintos do tamanho de um mini bic chama?

Também chama a atenção a forte carga homoerótica, sobretudo nas cenas mais diretamente ligadas a histórias com origem nos mitos latinos. O ápice me parece ser a escultura Teseu e o Minotauro, de Canova, exposto hoje no Victoria & Albert Museum. O herói, apoiado num cajado absurdamente fálico,  senta-se sobre o púbis do monstro mitológico caído - cuja expressão mescla a dor do êxtase e/ou o prazer da morte. Eros e Tanatos em exposição concreta, pedra sobre pedra. Inesquecível.

Seguem algumas fotos que tirei nas últimas viagens, sobre o tema. Desfrutem.


quarta-feira, 9 de novembro de 2011

É nóix no Victoria & Albert Museum

Grace Jones in a maternity dress designed by Jean-Paul Goude and Antonio Lopez

Moçada, minha vida virou exposição! Desde 24 de setembro e até meados de janeiro próximo, o Victoria & Albert Museum, de Londres - que gosta de se apresentar como o maior museu do mundo em arte e design -, leva a mostra Postmodernism: Style and Subversion in Sound and Vision, 1970 / 1990.

Estive lá recentemente e, caso você esteja, por qualquer razão, na metade de cima da laranja por estes meses, compareça: vale a pena. É um apanhado enorme de tudo aquilo que calçou a história de quem, como eu, hoje beira seus 50 anos e que teve o cuidado de orbitar este planeta insano na jornada.

E tá tudo lá mesmo: de maquetes da arquitetura esquisita do meio-oeste americano (e o logotipo do Tacobel) a coleção completa das capas da I-D e dos melhores LPs do período. Ao vivo, do icônico soutien pontudo de Jean Paul Gaultier para Madonna ao terninho oversized do lider dos Talking Heads no inesquecível Stop Making Sense. Até a capa de plástico da replicante que morre baleada na melhor seqüência de Blade Runner, aquela em slow motion entre vitrines iluminadas da chuvosa Los Angeles do século que vem, também está lá.

Registros da colorida onda new wave que tomou de assalto a década de 80 ao soturno pós-punk noventista. E tome a androginia de David Bowie, e tome a estranheza de Klaus Nomi, e tome o cinismo pop de Devo, e tome a loucura em estado bruto de Grace Jones, e tome a amargura luxuosa de Laurie Anderson. Toda a turma que embalou minha esquizofrenia existencial pós-adolescente.

Também dá prá perceber direitinho a filosofia "pós-moderna" desse capitalismo insano que ganhou sua força maior no apagar das luzes do século passado, a vitória final do "eu-sou-o-que-consumo", de como a arte e o design foram edulcorando produtos e, de produtos, eles passaram a quase fetiches.

Entender no detalhe o alvorecer do cinismo yuppie e a ressaca moral do individualismo doentio que marcou a época - e os registros da reação das cabeças pensantes (e, pela primeira vez na história, a dos "lumpens") alijadas do processo - coisas da indústria cultural e da massificação da informação que, de um jeito ou de outro, permitiram essas expressões de desacordo com o jeito de pensar/viver dominante naquela altura.

Andy Warhol, Dollar Sign, 1981. Synthetic polymer paints and silk-screen inks on canvas. Private collection. Photograph Christie’s Images 2011 © The Andy Warhol Foundation for the Visual Arts / Artists Rights Society (ARS), New York / DACS, London 2011.

O trabalho de curadoria é brilhante. Você entra em espaços onde as informações vão ganhando  intensidade, complexidade e emoção num ritmo alucinante, e as memórias da sua vida, todas, fragmentadas, e agora recontextualizadas pela mostra, vão se organizando na consciência. E um novo sentido para tudo aquilo que vivemos - e, de certa maneira, fomos - vai emergindo desse lixo pop do qual somos criadores e criaturas.

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De tudo, talvez o mais chocante mesmo seja o encerramento. Uma salinha de paredes brancas, chão de carpete cinza chumbo, insípida, onde numa parede é projetado incessantemente o belíssimo vídeoclip da música Bizarre Love Triangle, do New Order. A frase "Why can´t we be ourselves like we were yesterday?" ficou martelando na minha cabeça, resumo perfeito da exposição, no sentido desse tal posmodernismo.

Afinal, esse "Por que a gente não pode ser nós mesmos como a gente era ontem?", o que é? Graça ou maldição? Ganho ou perda? Onde essa estrada acaba quando a gente cansa?

Sentei e chorei, de mais pura emoção. E de gratidão, também. Caralho, para o bem e para o mal, fizemos história. E estamos no museu!


Este post vai com carinho especial para a turma da PUC, da ECA e, em particular, para o traficante generoso da festa no sítio do Jayme em meados de 1993.

Material oficial da exposição aqui http://www.vam.ac.uk/content/exhibitions/postmodernism/postmodernism-about-the-exhibition/ e aqui http://www.vam.ac.uk/content/exhibitions/postmodernism/postmodernism-creating-the-exhibition/