quinta-feira, 5 de abril de 2012

CONFIDÊNCIAS DE BANHEIRÃO

Por toda a América, incontáveis homens estão se encontrando para fazer sexo em banheiros de auto-estradas. Eu sou um deles. Entenda por quê.

Por Cornner Habib / Tradução Yuri Brancoli

(Foto: Vladimir Odegov via Shutterstock/Salon)
 Eu tinha 15 anos quando me toquei pela primeira vez da existência de homens que fazem sexo em público. No caminho para o Maine, com minha mãe e meu padrasto, saímos da auto-estrada para uma breve parada em uma área de descanso. Dentro do banheiro, no mictório, havia um homem bem ao meu lado. Um tipo alto e rústico, e estava se masturbando. Ele olhou diretamente para os meus olhos. Eu fiquei excitado, mas imóvel; ele sacudiu  o pau para mim e eu não pude reagir. Nós poderíamos ter ficado ali nessa situação para sempre, mas um outro homem entrou, viu o que estava acontecendo e fez uma careta. Então, o mundo voltou a girar em torno de mim e eu corrí para fora do banheiro.
Se você alguma vez parou em um banheiro de estrada, você esteve ao lado de homens fazendo sexo. Eu sou um desses homens, eu fiz isso centena de vezes; nós entramos dentro das matas ou em boléias de caminhão com as cortinas cerradas, ou sob a luz fria das minúsculas cabines de banheiro. Isso nunca cessou, nem durante tempestades violentas nem na alta madrugada. No inverno,  homens arrastam-se através da neve para estarem juntos, no verão, homens saem das matas próximas com vestígios de suas incursões ainda agarrados as suas calças. Você já parou em uma área de descanso de rodovia e achou  que ela estava completamente vazia? Pois há sempre um homem ali, em seu carro, esperando para encontrar alguém.
Isso vem acontecendo por muito, muito tempo. Os novos caminhos que homens usam para se caçarem – perscrutando eternamente seus smartphones, esperando uma resposta em um app do Grindr ou em sites como Manhunt  - não mudou a realidade de que nós ainda fazemos sexo em áreas públicas, por que isso nos oferece algo diferente. Sites e apps de pegação exigem uma demasiada certeza sobre si mesmo para que possam ser usados por homens que são incertos sobre sua própria sexualidade, ou inseguros sobre como expôr isso para alguém, ou para homens que têm uma família tradicional mas sentem novos desejos (ou desejos antigos) reprimidos dentro deles. Eles só servem para homens gays que querem fazer sexo com outros homens gays. Sexo em lugares públicos, por outro lado, pode prescindir do assumir-se. Há uma espécie de liberdade para não ser coisa nenhuma – ao contrário, homens podem simplesmente encontrar homens que querem essa mesma liberdade. Sem rótulos.
É mesmo surpreendente que pessoas possam se sentir desconcertadas se são pegas fazendo sexo em público e isso leva a descoberta de suas reais identidades sexuais? O Senador Larry King e o pop star George Michael foram ambos flagrados nessa situação. O fato é que o apelo não está apenas em fazer sexo, mas fazer sexo anonimamente ( não necessariamente por que você queira esconder sua identidade de outras pessoas; por certo outros homens reconheceriam George Michael), mas para permitir que sua própria identidade seja esquecida por você por um momento. E essa liberdade é acessível a qualquer um,  até para aqueles sem problemas com sua orientação sexual.
Quando fiz 21 anos e tive meu primeiro carro, dirigi até uma pequena área de estacionamento da auto-estrada perto de onde morava: a intensidade das memórias daquele dia quando eu tinha 15 anos me levou para lá. Depois, nas longas viagens entre a faculdade em Massachusetts e minha casa na Pennsylvania, estacionava onde quer que encontrasse uma área de descanso. Chegando lá, eu esperava tranquilamente. Não me sentia nervoso, não pensava em nada – parecia, para mim, que eu simplesmente estava onde deveria estar.
Algumas vezes homens vão para esses lugares unicamente  porque não têm outro lugar para ir. A cidade onde ficava minha faculdade e minha cidade natal eram rodeadas por largas linhas de árvores, formando pequenos bosques, e áreas industriais abandonadas. Não havia outro meio para encontrar alguém nestas cidades ou, se houvesse, isso pareceria de alguma forma forçado. Talvez  pudesse marcar encontros com alguns caras assumidos como eu, mas eu realmente não procurava nenhum vínculo emocional naquela época. Então, seria desonesto. Os meus amigos héteros iam para festas e abordavam garotas por lá, resolviam seus desejos em qualquer gramado ou iam trepar nos dormitórios estudantis.  Já os gays tinham que se virar como podiam, seja lá como achassem a solução para seus problemas. Enchendo a cara e pegando os colegas héteros também bêbados, procurando sexo nas bibliotecas com garotos da cidade, ou em viagens para os centros urbanos maiores nas redondezas: seja agindo assim, seja sentando em cima das suas pulsões sexuais, como muitos de nós fizemos nossa vida inteira. Muita energia e lugar nenhum para descarregá-la ou alguém para dividir.
Uma vez estacionado, alguém pararia seu carro bem ao lado do meu e me lançaria um olhar. Haveria lá um monte de homens mais velhos, e alguns jovens também. Não existia nenhum sinal específico, apenas a maneira como essses homens se olhavam. Nós poderíamos trocar algumas palavras. Eu iria para dentro do pequeno edifício do banheiro, como aquele que encontrei no Maine. Nos mictórios, quando o banheiro estivesse quase vazio, nós poderíamos ficar em pé, lado a lado, nos avaliando. Ou, se não nos mictórios, alguém entraria em uma cabine próxima a mim, batendo seus pés, e eu poderia me abaixar no chão frio e sujo, escorregando metade do meu corpo sob a divisória ou, em alguns casos, encontrar um buraço na parede para ter acesso ao parceiro.
Depois de algum tempo, comecei a desenvolver um estranho sentimento sobre esses encontros furtivos, como se eu tivesse entregando a mim mesmo para uma outra pessoa. Não que eu me desse por inteiro, mas aquela parte de mim que eu entregava nestes momentos era inteira. Não havia disfarces, nem subterfúgios ou jogos de sedução, nem mesmo interessava se eu realmente estava atraído – ou não – especificamente por alguém. Não existia preocupação se o potencial parceiro era homo ou hetero, na verdade simplesmente não existia orientação sexual envolvida naquilo. Nos bastava estarmos ali, juntos, como nós mesmos.
Com freqüência, haveria uma cerca que bloqueava o acesso para os bosques, mas também uma parte rompida que alguém que estivera ali antes teria retirado. Haveria uma caminho enlamaçado através do gramado, desgastado pelo uso. Nos bosques, seria possível encontrar uma clareira e nela, tudo poderia acontecer. Pessoas e corpos, todos procurando pela mesma coisa. Muitos de nós atravessaram a cerca, debaixo do céu. Era fácil, em situações como aquela, perceber como existiam muitos mais homens precisando de outros homens do que alguém poderia supor.
Nesses lugares as identidades das pessoas simplesmente se turvavam, e isso era parte de seu apelo. Uma vez eu vi um pacote de camisinhas preso em uma árvore com o recado “Sejam prudentes, rapazes”. E, tudo bem, isso foi um gesto gentil, embora também tenha sido entendido como uma invasão. Por conta desses lugares não serem muitos,  eles não eram o destino de sempre, não para a maioria das pessoas. Essas outras pessoas geralmente estavam fora desse lugar particular, em sites de pegação, fora de suas casas, bares, clubes, vidas – removidas desse mundo. E quando se infiltraram ali, isso fez a experiência menos real e, em si, menor.
Intrusos poderiam surgir de outras formas também. Uma vez, a polícia apareceu em uma área de descanso em que eu estava em Rhode Island. Era noite. Ao perceber a aproximação, eu calmamente reclinei meu banco e fingi estar dormindo. Eles jogaram a lanterna no meu rosto e eu abaixei o vidro do carro.
“O que você está fazendo aqui?”, um deles me perguntou.
“Apenas descansando”, eu disse.
Eles se entreolharam. “Tá certo. Como você deve saber, muitos caras vêm prá cá a procura de diversão”.
“Diversão?”.
“Sim”.
“Como assim, tipo drogas?", eu perguntei, fazendo o estúpido.
Eles não poderiam me responder. Eles não poderiam dizer nada. Então, me recomendaram ter cuidado e saíram fora.
A polícia é uma constante ameaça para áreas de sexo público – eles realmente desejam trazer o mundo real para dentro delas.
E isto é o contrário do por quê as pessoas vão até lá. Alguns dos homens que podem ser encontrados nessas áreas de descanso estão justamente tentando dar um tempo em suas vidas rotineiras. Eles não estão simplesmente escapando de seus casamentos, ou de suas famílias ou das vicissitudes de suas exiatências; ali eles se sentem autorizados por si mesmos a serem honestos.
Uma vez, após trepar com um cara dentro de uma cabine, saímos para fora do prédio caminhando juntos, em um dia tranquilo. Eu o observei indo para o seu carro, um carro que eu não havia notado estar no estacionamento antes de entrar no banheiro. Dentro, seus filhos estavam esperando por ele. Quem poderia supor como era sua vida fora daquela cabine?
Seus filhos eram pequenos e agitados, gritando uns com outros no banco de trás do carro. Ele abriu a porta e disse para as crianças algo que não puder ouvir de onde estava. Eles se acalmaram e se sentaram novamente. Eu me encostei no meu carro, onde não tinha ninguém me esperando, e ele entrou no seu e saiu dali sem olhar para trás.
Isso não é “diversão”. Isso são homens condescendendo com algo que eles deveriam estar tentando negar, mas não conseguem. Estes lugares permitem instantes de vidas totalmente diferentes para algumas pessoas. Eu não sei se esses caras são “homos” ou “heteros”. Isso importa? Em um ponto que para a maioria das pessoas é apenas um caminho para algum outro lugar, homens podem se encontrar e encontrarem-se a si mesmos.
Eu agora vivo em San Francisco, e existe mais aceitação aqui para diferentes sexualidades e identidades do que eu nunca havia encontrado em algum lugar anteriormente. Também tem muito pouco sexo realmente “anônimo”. Sexo “anônimo” aqui significa encontrar algum parceiro on line, ou no Grindr ou no bar, saber o nome, voltar para o seu apartamento  ou o dele. Isso não é ruim, claro, mas eu sinto falta de ser um ninguém em um entre-lugares, um lugar nenhum. Aqui eu tenho que ser alguém, tudo é tão definido dentro dos seus limites. Em banheiros públicos, eu poderia ser apenas um corpo, estar ali para algum outro corpo, que eu nunca havia visto antes, saudoso por algum tipo de conforto e amor que apenas ninguém, em lugar nenhum, poderia dar.
Corner Habib é escritor, professor e porno star gay. Acredita que seja a única pessoa no mundo a ganhar três diferentes prêmios que reconhecem suas qualidades em cada uma das áreas. Vive em San Francisco, onde é responsável por um grupo de discussão sobre ciência espiritual inspirado em Rudolf Steiner, bebe litros de café e compra muitos livros. Encontre-o no Twitter @connerhabib ou visite seu blog connerhabib.wordpress.com.
Yuri Brancoli estuda inglês e esse texto é seu primeiro exercício em tradução. Nunca ganhou nenhum  prêmio para nada, mas bateu muito banheirão pela vida a fora - sempre com interesses puramente sociológicos. Claro.
Para acessar o texto original, em inglês, clique aqui: http://www.salon.com/2012/03/29/rest_stop_confidential/
Thanks, Zedu, pelo envio do original.